Sisteminha faz 21 anos e ganha versão voltada ao empreendedorismo comunitário

O Sistema de produção Integrada de Alimentos, conhecido como Sisteminha, acaba de completar 21 anos como uma das tecnologias sociais de maior sucesso no Brasil e adotada em vários outros países. Ele permite que famílias de baixa renda possam se alimentar com o que é produzido localmente, por meio de estruturas simples montadas com recursos disponíveis no lugar. A produção excedente pode ser partilhada com vizinhas ou mesmo comercializada.

Ele ganha agora uma versão para auxiliar as famílias e gerar renda por meio do empreendedorismo comunitário, Sisteminha Comunidades.

Combatendo a fome no Brasil, na àfrica e expandindo para a América do Sul

Desenvolvimento em parceria entre Embrapa, Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapeming), o Sisteminha é empregado em 14 estados brasileiros e 8 países africanos – Gana, Uganda, Etiópia, Camarões, Tanzânia, Angola, Senegal e Moçambique – e está sendo levado a países da América do Sul.

No estado do Maranhão, está presente nas comunidades familiares mais carentes, que se encontraram abaixo da linha da pobreza e em insegurança alimentar, como as pertencentes aos Territórios do Cocais e Baixo Parbaíba maranhenses. A tecnologia é trabalhada e difundida em várias outras Unidades da estatal, como a Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), Embrapa Meio-Norte (PI) e Embrapa Semiárido (PE).

Atualmente, além de contribuir para a segurança alimentar e nutricional da família, quando instalado com ênfase na comunidade, a produção é incrementada para atender ao mercado local, podendo se tornar modelo de empreendedorismo e desenvolvimento comunitário. Esse processo de escalonamento da produção do Sisteminha está sendo conduzido pela Embrapa Cocais (MA), em algumas comunidades do Maranhão e Piauí, com resultados promissores. O Maranhão adotou a tecnologia em projetos de desenvolvimento social em comunidades indígenas, quilombolas e áreas periféricas.

Como funciona o sisteminha

A tecnologia social é apropriada para produzir alimentos em pequenos espaços, em áres urbanas e rurais, para atender às necessidades nutricionais de uma família de quatro a cinco pessoas, de acordo com as recomendações nutricionais da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em um quintal do tamanho entre 100 a 1,5 mil metros quadrados, o Sisteminha expressa toda a sua versatilidade, sendo possível a produção de peixes, ovos e carne de galinha e codornas, suínos, porquinhos-da-índia, grãos, legumas, frutas, hortaliças, húmos de minhoca e composto orgânico, entre outros. Além de garantir a alimentação básica às famílias, possibilita também a geração de renda, pela comercialização de excedente da produção.

Toda a implantação do projeto é voltada para a redução de custos e seguindo modelo agrícola sustentável. É uma metodologia simples, de fácil construção, que não interfere culturalmente nas famílias e consegue retirar as pessoas da situação de pobreza e miséria, gerando segurança e soberania alimentar em menos de sete meses. E, o principal, ensina as famílias a conquistarem sua independência alimentar e nutricional, melhorando sua autoestima e capacidade de resolver problemas relacionados à execução das atividades”, explica o criador do Sisteminha, o zootecnista Luiz Carlos Guilherme, pesquisador da Embrapa.

O coração do sisteminha

O Sisteminha utiliza a pscicultura intensiva praticada em pequenos tanques construídos com materiais diversos, como papelão, argila e plástico. O tanque para a produção de peixes (tilápias) tem capacidade de 8 mil a 10 mil litros de água. Todos os módulos se beneficiam em algum momento da produção de nutrientes oriundos do tanque de peixes, capaz de produzir entre 100 e 120 quilos de tilápia em três ciclos por ano. Ao fim de cada ciclo, os peixes chegam a pesar entre 200 e 300 gramas.

A partir da recirculação dos nutrientes provenientes de tanque de peixes, é possível obter um sistema de produção integrado de frutas e hortaliças – irrigados com efluentes e resíduos sólidos gerados do tanque – aves e pequenos animais, que beneficia todos os módulos do sistema, organizados de acordo com a disponibilidade e interesse do produtor.

A aágua residual da criação dos peixes, rica em sólidos orgânicos, é usada na alimentação das minhocas e irrigação dos canteiros convencionais de hortaliças e hidroponia. É um biofertilizante que contém macronutrientes como nitrogênio e potássio, além de fósforo, magnésio, enxofre e cálcio. O esterco das aves e pequenos animais, por meio da compostagem, é curtido e se transforma em húmos com auxílio das minhocas. Em seguida esse adubo natural ao cultivo dos vegetais.

Segundo Luiz Guilherme, o Sisteminha permite o uso de fontes alternativas de energia e garante às famílias alimentação equilibrada durante o ano todo. A plantação é escalonada, ou seja, o plantio é feito aos poucos; assim a colheita é gradual, para não faltar nem sobrar muitos alimentos. Em cada fase, algo é acrescentado.

“São soluções tecnológicas integradas que consiste na integração do tripé peixe, aves e húmos, em associação ou rodízio com outras atividades da cadeia alimentar, tendo, como ponto central da produção integrada, a psicultura intensiva. Outro diferencial do Sisteminha é que, por exemplo, a própria produção de peixes em tanques sequestra mais de 60% do carbono que poderia ir para a atmosfera. Tecnologia sustentável social, econômica e ambientalmente”, resume o pesquisador.

A inovação desenvolvida e que viabilizou a tecnologia foi a simplificação do biofiltro utilizado no sistema de recirculação da água do tanque de criação de peixes. Ele permite a degradação de amônia (tóxica para os peixes), que é transformada em nitrato pela ação bacteriana. Por isso, o tanque, que consegue oferecer água rica em nutrientes para as plantações, é o módulo principal, considerado o “coração” do Sisteminha.

“Conseguimos simplificar o material do biofiltro, o que reduziu em mais de 99% o custo: um balde, cordas de nylon desfiadas, um cano de PVC, Uma mangueira de limpeza de piscina e uma garrafa pet. Essa redução dos custos permitiu fazer a criação dos peixes em pequenos espaços com garantia de qualidade” explica Guilherme.

O tanque rústico de peixes pode ser composto de madeiras, bambu e talos disponíveis na própria propriedade, amarrados por fios de garrafa pet ou afins, podendo ser revestido por papelão como parede e usando a argila como acabamento. Em alguns casos, pode ser revestido com plástico para melhorar a impermeabilização e, por fim, recoberto com a lona plástica para a retenção de água.

Dentro do tanque, a água com restos de ração e fezes passa por um sedimentador que rétem o material sólido. Antes de voltar para o tanque, a água passa pelo biofiltro. No interior, centenas de fios de nylon cheios de bactérias que decompõem a amônia. Com a evolução dos trabalhos em campo, foram sendo construídos tanques de tijolos e de placas de concreto.

Respeitadas as dimensões de um tanque circular, que resultem em armazenamento de 10 mil litros de água, em uma lâmpada de 70 cm a 80 cm, muitas alternativas construtivas são viáveis. Embora o formato retangular seja possível, o tanque redondo com raio de 2,2 m e 0,7 m de profundidade é o mais indicado, por facilitar a circulação da água, concentrando resíduos sólidos no centro do tanque, de onde são sugados.

Do empreendedorismo familiar ao comunitário

Embora seja simples, o Sisteminha tem que ser gerido como uma empresa. A princípio, sem fins lucrativos, mas com clientes: os próprios integrantes da família beneficiada. Os insumos utilizados, como sementes e ração, por exemplo, devem ser escolhidos visando à produtividade. “Porque não adianta você receber um animal, um pintinho GLK, ISA Brown, com a capacidade de postura de até 300 ovos por ano e não alimentá-lo com ração balanceada específica ou substituí-la por milho e outros alimentos alternativos, que não suprem a nescesidade imposta pela alta produção“, observa Guilherme.

Segundo explica o autor de tecnologia, no modelo de execução individual, a família é responsável pela gestão de toda a cadeia produtiva do sisteminha, incluindo a aquisição de insumos, obtenção de informações técnicas e comercialização dos produtos excedentes, de acordo com as possibilidades de negócios que aparecem (escambo ou vendas). “Mesmo com limitações, consegue-se, por meio de alguns multiplicadores populares, racionalizar e organizar a produção de alimentos e a geração de excedentes. No entanto, o ônus do processo individual de produção não contribui para a formação de uma rede que possa atuar diretamente com o mercado, de modo a profissionalizar o empreendedorismo individual da família, uma vez que o mercado, nesse caso, não é prioridade, mas sim a segurança alimentar” detalha Guilherme “O Sisteminha Comunidades, novo modelo do Sisteminha proposto pela Embrapa Cocais, vem para integrar o mercado nas atividades de produção”.

O modelo do Sisteminha Comunidades favorece a execução coletiva nas comunidades e a produção escalada de alimentos. Com isso, o empreendedorismo vai além da estabilização da segurança alimentar e nutricional da família. O excedente da produção dos alimentos pode ser compartilhado, trocado ou vendido entre a comunidade das famílias e comercializado no mercado local para compra coletiva dos insumos e demais necessidades do negócio. “O papel dos multiplicadores populares é essencial para o sucesso do empreendimento coletivo. São eles que levam o conhecimento técnico-científico para o entorno das comunidades, assim sucessivamente, movimento que pode ser potencializado nas regiões com o apoio institucional”, destaca o pesquisador. ele afirma que a versão escalada da tecnologia é o Sisteminha melhorando o foco no desenvolvimento socioeconômico da região com sustentabilidade.

Fonte: Embrapa
Flávia Bessa

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