Produtores usam “brinquedos” para acalmar os suínos nas granjas
Práticas europeias adaptadas ao BrasilÉ comum ouvir que os suínos são animais bem mais inteligentes do que parecem. Na verdade, os suínos são a quarta espécie mais inteligente do planeta (ficam atrás apenas dos humanos, chimpanzés e golfinhos). Além disso, eles são sociáveis, sensíveis e gostam de estar sempre em movimento ou brincando quando acordados. Essas características ajudam a entender porque esses animais têm problemas para viver dentro de ambientes enfadonhos e porque respondem bem a elementos que despertam a sua natural curiosidade. “É por isso que vale a pena estudar e investir no enriquecimento ambiental adaptado às condições brasileiras, especialmente no que diz respeito a encontrar os brinquedos mais eficazes para evitar a manifestação de comportamentos indesejados por parte dos animais”, enfatiza Dalla Costa.As referências sobre a introdução de “brinquedos” para enriquecimento ambiental na suinocultura brasileira vêm, principalmente, de duas fontes.


A primeira são os conceitos desenvolvidos e aplicados pela Comunidade Europeia, que acabam formando um entendimento mais ou menos homogêneo em todo o mundo sobre como devem ser as ações de enriquecimento ambiental. Essa fonte mais teórica recomenda que elementos de enriquecimento ambiental devem ser seguros (sem representar risco à saúde dos animais), investigáveis (passíveis de serem escavados com o focinho), manipuláveis (devem mudar de lugar, aspecto e estrutura), mastigáveis (podem ser mordidos) e comestíveis (de preferência, que possam ser comidos ou cheirados, com odor e sabor agradáveis).Ainda segundo os conceitos da Comunidade Europeia, o “brinquedo” deve manter um interesse que se renova, ficar o mais próximo possível do piso, ser fornecido em quantidade que permita fácil acesso a todos os animais e ser apresentado limpo (suínos perdem logo o interesse em materiais sujos com fezes, por exemplo). Os europeus sugerem também categorias relacionadas às características listadas acima. Elementos “ótimos” atendem a todos os requisitos. Ou seja, são seguros, manipuláveis, comestíveis e mantêm o interesse ao longo do tempo. Elementos “subótimos” contemplam a maioria das características desejáveis. Por fim, os elementos de “interesse marginal” distraem os suínos, só que não satisfazem muitos dos requisitos essenciais.A segunda fonte que orienta a introdução de brinquedos são estudos feitos por pesquisadores brasileiros (da Embrapa Suínos e Aves, universidades, empresas privadas, consultorias) e experimentos práticos aplicados por agroindústrias e produtores. Essa segunda fonte se complementa com a primeira e concede à suinocultura brasileira condições de adaptar, ao contexto local, o que o mundo entende por enriquecimento ambiental para suínos. Além disso, desenvolve a capacidade de ditar o ritmo da mudança, fazendo com que as melhorias voltadas ao bem-estar dos animais também levem em consideração dimensões econômicas, sociais, ambientais e culturais da suinocultura nacional.Um elemento para cada faseCom base, então, nos conceitos e práticas mais reconhecidos no Brasil, é possível perceber que os “brinquedos” usados aqui para suínos são divididos em três tipos. Para matrizes suínas alojadas em grupos, há poucas indicações sobre o fornecimento de elementos que realmente tenham efeito positivo sobre o bem-estar. A maior certeza gira em torno da oferta de palha como substrato para matrizes gestantes. A palha já demonstrou ser capaz de proporcionar conforto físico durante o descanso e conforto térmico sob baixas temperaturas, além de reduzir comportamentos estereotipados. Estudos também comprovaram que a palha utilizada como cama na habitação em grupo pode diminuir lesões nas patas e aumentar a longevidade da matriz.No caso de leitões lactentes e na creche, os brinquedos cumprem um papel imediato e outro futuro. De imediato, leitões que interagem com brinquedos (como palha dentro de um balde pendurado ou cordas de ráfia espalhadas pelas instalações) apresentam maiores níveis de comportamento lúdico e redução no comportamento agressivo. Além disso, no período pós-desmame, há evidências de que leitões mantidos em um ambiente enriquecido apresentarão melhor desempenho cognitivo do que suínos que não passaram por essa experiência. Para suínos nas fases de crescimento e terminação, brinquedos como correntes metálicas penduradas em alguns pontos da baia ou pedaços de madeira ajudam a reduzir a agressividade. Outro benefício observado é o fato de que suínos que possuem experiência prévia com elementos de enriquecimento ambiental se mostram menos reativos ao manejo pré-abate.Independentemente do tipo de suíno ou “brinquedo”, um dos grandes desafios na aplicação do enriquecimento ambiental é fazer com que o elemento introduzido nas instalações não deixe de atrair a atenção dos suínos ao longo do tempo. Fazer uma rotação entre brinquedos, alterar a aparência ou propriedades dos elementos e fornecer recompensas ingeríveis em um esquema variável de reforço são medidas que ajudarão a manter um nível de resposta dos animais e a diminuir a taxa de habituação. Brinquedos fixos e suspensos mostram-se mais interessantes com o passar dos meses, ao passo que objetos colocados livres no chão perdem seu potencial de atratividade rapidamente ao se tornarem sujos.
Materiais vão de correntes a bolasSegundo um estudo publicado no capítulo 12 do livro “Suinocultura: uma saúde e um bem-estar”, publicado em 2020 pelo Ministério da Agricultura, os principais elementos usados como “brinquedos” no Brasil são correntes metálicas (69,3%), galões de plásticos (44,5%) e pedaços de madeira (26,1%). Também são usados pneus (17,7%), terra (12,5%), tubos de PVC (11,6%), grama/capim (9,2%), música (6,9%), pedras (6,6%), cordas de plástico (4,1%) e mangueiras de plástico (3,6%). Foram citados ainda outros materiais em escala bem menor, como garrafas plásticas, tapetes, botas de borracha, galhos, sacos de ráfia e sal.O uso preponderante de correntes metálicas confirma algo que já era feito há muito tempo, de forma empírica, por suinocultores no País. Apesar de grande parte dos pesquisadores ainda não ver no uso desse brinquedo vantagens importantes para a melhoria do bem-estar animal, dados recentes sugerem que as correntes metálicas, quando empregadas corretamente, podem proporcionar resultados positivos.

Quanto custa instalar “brinquedos”?

Quase todos os interessados em bem-estar animal, quando pensam em introduzir “brinquedos” para suínos, tentam primeiro dimensionar quanto custarão as mudanças. Afinal de contas, ações de enriquecimento ambiental representam custo extra ou oportunidade de ganho? O pesquisador ressalta que as ações de enriquecimento ambiental (especialmente a introdução de brinquedos) funcionam preferencialmente em ambientes que estão sofrendo perdas por problemas gerados pelo confinamento intensivo. Um estudo de 2016 feito na União Europeia mostrou que os custos associados a mordidas de cauda e orelhas atingiram 18,96 euros por animal agredido, o que equivale atualmente a, aproximadamente, 95 reais. Essa perda compromete em até 43% o lucro por animal afetado.

Além disso, o ganho de peso diário em suínos em crescimento com mordida de cauda pode ser reduzido entre 1% a 3%. Esses dados significam que cada animal afetado por problemas de confinamento intensivo representa uma oportunidade de redução de perdas econômicas. Por outro lado, medidas de enriquecimento ambiental, sem dúvida, não saem de graça. Por exemplo, o programa “Heart Pig”, que aplica várias medidas de bem-estar animal na Dinamarca, apresenta custos de produção 7,9% maiores que os da produção convencional naquele país. Porém, experiências no Brasil ensinam que a introdução de brinquedos nas instalações não representa o maior investimento das propriedades que passaram a investir em enriquecimento ambiental. Na verdade, o que mais custa é o investimento em tempo de trabalho para gerenciar o esforço extra representado pela manutenção dos elementos de enriquecimento, o monitoramento mais próximo do comportamento dos suínos e o treinamento da equipe em boas práticas de produção com foco no bem-estar animal.

Empresas e produtores buscam protocolo

As experiências práticas com o uso de “brinquedos” para melhorar o bem-estar dos suínos em granjas comerciais têm focado, principalmente, na validação de protocolos de enriquecimento ambiental. As práticas que estão sendo testadas neste momento possuem um pé na prevenção e outro na solução de estereotipias. Ou seja, por um lado, a ideia é oferecer aos suínos, de acordo com cada fase de produção, elementos que diminuam os desafios do confinamento intensivo (monotonia, estresse, frustração, impossibilidade de expressar comportamentos naturais) e, por outro, estabelecer ações corretivas quando problemas como a caudofagia se instalam no rebanho.

Apesar de nenhum dos protocolos testados apresentar até agora resultados definitivos, a sensação é de que os primeiros passos na adoção de um enriquecimento ambiental mais efetivo na suinocultura brasileira seguem para a direção correta. “Temos visto problemas menores nas baias com o uso de correntes. Quando bem manejadas, elas ajudam a manter os suínos mais calmos”, garante Valdecir Folador, produtor de suínos da região de Barão do Cotegipe, no Rio Grande do Sul, e presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS). Segundo ele, os “brinquedos” fazem parte de um contexto mais amplo de investimentos no bem-estar animal. “Não é somente colocar algo na baia e deixar lá. Tem todo o ambiente, a ração e uma série de outras coisas que evoluíram muito.”

A BRF, uma das maiores agroindústrias do País, divulgou em seu jornal BRF Rural, que “a prática de enriquecimento vem demonstrando redução nas condutas negativas, tipo cansaço, briga e inércia”. A empresa já assumiu o compromisso público de implantar o seu protocolo de enriquecimento ambiental (que inclui os “brinquedos”) em todas as granjas dos produtores associados até 2025. O que a BRF e outras empresas têm aprendido é que os protocolos de enriquecimento ambiental precisam também estar atentos à dinâmica da produção de suínos. Não basta apenas definir qual elemento colocar dentro das instalações, qual custo ele agrega e que tipo de manejo exige. É necessário descrever também como ele será apresentado (altura, forma, material), como será distribuído (suspenso, perto de comedouros, quantidade) e como será mantido (manutenção, substituição).

Outra questão importante é o treinamento de quem vai aplicar o protocolo. O produtor ou colaborador deve possuir alguns conhecimentos sobre o comportamento específico da espécie. Suínos são onívoros e passam muito tempo explorando o ambiente à procura de alimento quando estão soltos na natureza. Eles também são curiosos e apresentam um vasto reportório comportamental, que vai desde cheirar e lamber até fuçar e mastigar objetos. Quem vive o dia a dia da granja deve ser treinado sobre como, diariamente, diferenciar o que é normal e o que não é no comportamento dos suínos confinados. “O produtor ou colaborador deve entender também que a presença dele dentro das instalações, observando e interpretando o que vê, é fundamental para que os protocolos de enriquecimento ambiental funcionem”, alerta Dalla Costa.

Fonte: Embrapa

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